Por Bárbara Pombo — De São Paulo
A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) impediu a Fazenda Nacional de penhorar R$ 1,8 milhão em recursos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), recebidos pela Faculdade Santa Bárbara (Faesb), situada em Tatuí, no interior de São Paulo. O bloqueio era para garantir o pagamento de contribuições previdenciárias em aberto.
É a primeira decisão do STJ que se tem notícia que impede o bloqueio de recursos para satisfazer débitos fiscais. “Impõe-se a manutenção da decisão agravada para se reconhecer que são impenhoráveis os créditos públicos destinados ao Fies, ainda que para instituição privada”, afirma em seu voto o relator, ministro Mauro Campbell Marques. O julgamento foi realizado no fim de setembro.
A instituição de ensino superior que adere ao Fies, para oferecer financiamento público a estudantes, recebe todo início do mês títulos da dívida pública emitidos pelo Tesouro Nacional - chamados de Certificados Financeiros do Tesouro. Esses títulos servem obrigatoriamente para pagar tributos federais no dia 20 de cada mês. A União recompra o montante excedente e deposita o valor em contas vinculadas na Caixa Econômica Federal (CEF) ou no Banco do Brasil, corrigido pelo IGP-M.
É sobre esse excedente que normalmente se solicita a penhora. No caso do contribuinte que obteve a decisão favorável no STJ, os débitos são antigos, referentes a contribuições previdenciárias anteriores ao período de adesão ao Fies.
Na decisão, tomada por unanimidade, Mauro Campbell Marques citou precedentes, de 2019 e 2020, da turma de direito privado do STJ, que negaram a penhora de recursos do Fies recebidos por instituições de ensino privadas para pagar dívidas com fornecedores.
“O intuito de fazer prevalecer o interesse coletivo em relação ao interesse particular justifica a previsão de impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, prevista no artigo 833, IX, do CPC/2015”, diz em uma das decisões a relatora, ministra Nancy Andrighi (REsp 1840737).
O dispositivo do Código de Processo Civil proíbe penhorar “os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social”.
Advogado da Associação de Ensino Julian de Carvalho, mantenedora da Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara, Lauro Cavallazzi Zimmer afirma que a medida pleiteada pela Fazenda Nacional representa uma penhora de faturamento, que dificulta a continuidade da prestação do serviço educacional.
“O contrato do aluno permanece, a instituição precisa manter o aluno matriculado sem receber o recurso da mensalidade. Aí precisa atrasar o pagamento da folha, tem greve, tem evasão de aluno. É uma bola de neve”, diz. Dos cerca de 800 alunos da Faculdade Santa Bárbara, 76 estão com o Fies ativo.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma, em nota, que ainda não foi notificada e vai avaliar eventual recurso contra a decisão. Defende a penhora sobre os recursos do Fies com base no parágrafo 1º do artigo 833 do CPC, segundo o qual “a impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição”.
O órgão sustenta que o fato gerador dos tributos ocorre pela atividade empresarial e que os títulos públicos recebidos para o Fies decorrem do serviço prestado. “Há nessa equação uma inseparável relação entre serviço prestado, recebimento pelo serviço e fato gerador de tributo”, diz a PGFN.
A advogada Allyne Ferreira Nunes, sócia do escritório Ferreira Nunes, que tem foco em direito educacional, chama atenção para uma decisão de março da 3ª Turma do STJ, que flexibilizou a regra da impenhorabilidade de recursos do Fies (REsp 1761543).
“Os ministros fizeram uma distinção no sentido de que o título recebido do Tesouro é vinculado ao gasto com educação e, por isso impenhorável. Mas o valor da recompra, não. É uma interpretação sofisticada”, explica.
Por unanimidade, os ministros da 3ª Turma consideraram que o montante recebido na recompra dos títulos é incorporado ao patrimônio da instituição de ensino, que pode utilizá-lo da forma que quiser. Acrescentaram que esses recursos não podem mais ser considerados verbas de aplicação compulsória em educação - perdendo, portanto, a característica de impenhorabilidade.
“Assim, havendo disponibilidade plena sobre tais valores, é possível a constrição de tais verbas para pagamento de obrigações decorrentes das relações privadas da instituição de ensino”, afirma, na decisão, o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze.