22/08/2022 | Fonte: Valor Econômico

22/08/2022 | Fonte: Valor Econômico

ITCMD-exterior, STF e suas possíveis mudanças

Muitas pessoas podem ser obrigadas a rever suas estruturas ou pagar um tributo que antes não estava previsto

Por Bruno Santo e Gabriel Brejora

Um tema de grande relevância ao planejamento tributário e sucessório esteve novamente na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF): a possibilidade ou não dos Estados e do Distrito Federal (DF) cobrarem o Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação (ITCMD) de bens e direitos provenientes do exterior - casos em que há bens, residência ou inventário processado fora do Brasil.

No mês de junho, o plenário do STF declarou a omissão do Congresso Nacional ante a ausência de lei complementar (LC) a respeito de norma regulamentadora do ITCMD sobre bens e direitos provenientes do exterior, através do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 67.

Muitas pessoas podem ser obrigadas a rever suas estruturas ou pagar um tributo que antes não estava previsto

Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal (CF) atribui aos Estados-membros a competência para instituírem o ITCMD, a Constituição também prevê que na hipótese da (i) doação, que o doador tenha domicílio ou residência no exterior e (ii) transmissão sucessória, que o “de cujus” possua bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, será necessário para a instituição do ITCMD, a regulamentação por meio de uma lei complementar federal, conforme dispõe o artigo 155, parágrafo 1º, inciso III, da CF. Contudo, desde a promulgação da Constituição em 1988, não foi editada tal LC.

Entretanto, mesmo ainda não tendo sido editada tal LC, diversos Estados dispuseram em sua legislação a incidência do ITCMD sobre esses bens e direitos fora do Brasil. Como resultado, houve uma grande judicialização dos casos que dizem respeito a essa hipótese e como há a possibilidade de cada Tribunal de Justiça manter entendimento diferente sobre a legislação local, alguns tribunais interpretaram pela constitucionalidade da legislação de seu território e outros não. Assim, como a disputa tem sua origem na Constituição Federal, coube ao STF decidir sobre o tema.

Nesse sentido, em março de 2021, através do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 851.108/SP, apreciando o tema nº 825 de repercussão geral (“possibilidade de os Estados-membros fazerem uso de sua competência legislativa plena ante a omissão do legislador nacional em estabelecer as normas gerais pertinentes à competência para instituir o ITCMD”), em caso envolvendo o Fisco paulista, o plenário do Supremo, pelo placar de sete a quatro, decidiu pela vedação da possibilidade da cobrança do ITCMD pendente a edição da referida lei complementar federal.

Conforme entendimento da maioria dos ministros, “nas hipóteses em que há um elemento relevante de conexão com o exterior, a Constituição exige lei complementar para se estabelecerem os elementos de conexão e fixar a qual unidade federada caberá o imposto”. Além disso, as disposições nas leis estaduais que preveem a incidência do imposto nesses casos devem ser entendidas como de eficácia contida, pois dependem de lei complementar para operar seus efeitos.

Os efeitos da decisão do Supremo foram modulados com eficácia “ex nunc”, logo sem retroatividade, valendo somente a partir da publicação do acórdão, ocorrida em 20 de abril de 2021, ressalvadas as ações judiciais pendentes, nas quais se discuta: (i) a qual Estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e/ou (ii) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente.

Após a publicação do RE, o procurador-geral da República (PGR) ajuizou 24 ações diretas de inconstitucionalidade perante o Supremo (ADIs 6.817 a 6.840), requerendo a declaração de inconstitucionalidade das leis estaduais de 24 Estados-membros que continuaram a exigir o ITCMD nas hipóteses controvertidas em questão. Algumas das ADIs continuam pendentes de julgamento (referentes às legislações de Alagoas, São Paulo e Mato Grosso). Porém, a maioria das ações já foram julgadas em 2022 e o mesmo entendimento anteriormente adotado no RE foi aplicado, ou seja, foram declaradas inconstitucionais as disposições estaduais que preveem a incidência do ITCMD-Exterior sem a intervenção da LC, atribuindo-se a modulação de efeitos a partir de 20 de abril de 2021, ressalvadas as ações judiciais pendentes de julgamento.

E, mais recentemente, em junho deste ano, o plenário do Supremo, por unanimidade, reconheceu omissão por parte do Congresso Nacional ante a ausência de lei complementar a respeito da norma regulamentadora, por meio do julgamento da ADO nº 67. Assim, o tribunal concedeu o prazo de 12 meses, a contar da data da publicação da ata de julgamento do mérito da ADO (publicada em 9 de junho), para que o Congresso edite a LC que irá autorizar aos Estados e Distrito Federal a cobrança de ITCMD sobre doações e heranças no exterior.

Destaca-se que, embora a recente decisão do STF não obrigue diretamente o Poder Legislativo, o contribuinte deverá se atentar a possíveis movimentações que poderão acontecer no Congresso, através de novas proposições de projetos de LC ou o andamento de projetos propostos anteriormente, visando a cobrança do ITCMD pelos Estados-membros.

O assunto é bastante relevante já que muitas pessoas há anos têm estruturado seus patrimônios de forma a se valer da legislação em vigor, permitindo a não tributação pelo ITCMD de ativos no exterior, e podem ser obrigadas a rever suas estruturas ou pagar um tributo que antes não estava previsto.


Notícia: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/08/22/itcmd-exterior-stf-e-suas-possiveis-mudancas.ghtml

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