Em 2019, autuações sobre a proprietários ou dirigentes de empresas somaram R$ 4,39 bilhões, segundo a Receita Federal
Por Laura Ignacio — De São Paulo
Executivos que correm o risco de penhora de bens para pagar condenações por uso indevido de ágio pelas empresas que representam contam com o fim do voto de desempate para tentar reverter essas decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Muitos desses processos foram decididos pelo voto de qualidade de representante da Fazenda – forma de desempate que deixou de existir este ano.
No ano passado, as autuações sobre as pessoas físicas – proprietários ou dirigentes de empresas – somaram R$ 4,39 bilhões, segundo a Receita Federal.
É o caso do presidente da BBC Processadora, empresa do Grupo Bradesco, fruto de uma joint venture entre Fidelity Processadora, Bradesco e ABN Amro Bank. Em janeiro, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf condenou a BBC e o presidente da empresa por meio da responsabilidade tributária. A decisão foi publicada em junho (processo nº 19311.720165/2018-53).
“O relator entendeu que o executivo não teve conduta claramente ilícita ou dirigida para sonegar, que é o que permitiria responsabilizar”, diz Matheus Bueno de Oliveira, sócio do Bueno & Castro Tax Lawyers. Segundo ele, prevaleceu o voto divergente, no sentido de que o executivo tinha poderes e a empresa sozinha não faria nada. Por nota, o Bradesco disse que ainda não foi notificado e, tão logo isso ocorra, tomará as medidas cabíveis.
Em abril, a Lei nº 13.988 derrubou o voto de desempate por representante do Fisco. A partir daí, entre empresários, nasceu a esperança de afastar a responsabilidade solidária no Carf, sem a necessidade de depósito do valor em discussão em juízo, ou ter que arcar com um seguro garantia para discutir o processo no Judiciário. Porém, ao regulamentar a lei, a recente Portaria nº 260, do Ministério da Economia, deixou o responsável solidário de fora.
O tributarista Paulo Sigaud, sócio do Sigaud Advogados, afirma que em muitos casos foi aplicada multa qualificada de 150% por meio do voto de desempate.
De acordo com o artigo 135, inciso III do Código Tributário Nacional (CTN), diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado são “pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.
Segundo levantamento apresentado por Sigaud, de 2015 a 2018, pelo menos 29 processos administrativos referentes ao uso de ágio discutiram a aplicação da responsabilidade solidária a executivos. Em 15 desses casos, a medida foi aplicada e, em 11 deles, houve a ocorrência da multa qualificada de 150%.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que seu entendimento sobre responsabilidade solidária acompanha a jurisprudência sobre a responsabilidade tributária em geral. “Depende tanto dos fatos apurados por cada processo de fiscalização, como do entendimento de cada turma sobre os requisitos necessários ao seu enquadramento”, diz.
Segundo a tributarista Luciana Rosanova Galhardo, sócia da área tributária do escritório Pinheiro Neto, o Carf acaba atribuindo responsabilidade solidária para o administrador porque ele é quem sente o risco de um processo criminal e prefere pagar. “Por isso, às vezes, vejo a autuação por fraude aplicada ao executivo como uma forma de induzir o contribuinte a pagar”.
Para a tributarista, casos como o da BBC devem subir para análise da Câmara Superior do Carf. Ela avalia que se lá prevalecer a Portaria nº 260 do Ministério da Economia, em vez da legislação, as discussões sobre a responsabilidade solidária vão continuar indo para a Justiça. “Tudo o que for julgado diferente da nova lei levaremos para o Judiciário”.
Uma definição a respeito da questão pode ter reflexos também nos casos futuros. Isso seria importante já que a Receita Federal continua a manter o foco nas “reorganizações societárias suspeitas de serem motivadas meramente para a redução de tributos”. A prioridade está listada no Plano de Fiscalização da Receita Federal 2020.