As implicações das decisões conflitantes proferidas por Turmas da Câmara Superior do Carf.
Por RAFAEL GREGORIN e GIAN CARLO EVASO
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) publicou, ao final do ano passado, a Portaria Carf/ME 12.202/2021, que distribuiu, temporariamente, temas de competência da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais à 2ª e à 3ª Turma.
A medida, que tem o altivo objetivo de aumentar a celeridade processual no Carf ao desafogar a 1ª Turma da Câmara Superior, que possui o maior acervo de recursos pendentes de julgamento, gerou também preocupação por parte de tributaristas, que temiam mudanças de entendimento, conforme noticiado pelo JOTA dias após a publicação da mencionada Portaria.
Passados alguns meses, o referido receio se concretizou, atingindo uma discussão que já havia passado por uma verdadeira montanha-russa ao longo dos últimos anos: a questão da concomitância de multas isoladas decorrente do não recolhimento dos valores devidos, a título de estimativas mensais de IRPJ e CSLL (inciso IV) e de multas de ofício, cobradas em razão da falta de recolhimento, falta de declaração ou declaração inexata do tributo (inciso I, do artigo 44, da Lei 9.430/96).
Para melhor compreensão acerca do tema, faz-se necessário discorrer brevemente sobre o histórico da referida discussão.
O posicionamento do Carf sobre a questão foi primeiramente manifestado de forma pacífica com a publicação da Súmula Carf n.º 105, que consolidou o entendimento favorável aos contribuintes no sentido de que “a multa isolada por falta de recolhimento de estimativas, lançada com fundamento no art. 44 § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 1996, não pode ser exigida ao mesmo tempo da multa de ofício por falta de pagamento de IRPJ e CSLL apurado no ajuste anual, devendo subsistir a multa de ofício”.
Contudo, após a conversão da Medida Provisória n.º 351/2007 na Lei 11.488/2007, foi revogado o inciso IV, do parágrafo 1º, do artigo 44 da Lei 9.430/1996, expressamente mencionado na referida súmula, de modo que o entendimento do Carf – especificamente da 1ª Turma da Câmara Superior – passou pela sua primeira alteração, ainda por meio do voto de qualidade favorável ao fisco, no sentido que a Súmula Carf n.º 105 somente poderia ser aplicada para fatos jurídicos ocorridos antes do ano-calendário de 2007, sendo, portanto, autorizada a cumulação das penalidades para infrações cometidas de 2008 em diante.
Este entendimento desfavorável aos contribuintes se manteve estável até a publicação da Lei 13.988/2020, por meio da qual foi incluído o art. 19-E na Lei 10.522/2002, alterando-se a sistemática do voto de qualidade em processos administrativos decorrentes de autos de infração.
Com isso, o entendimento acerca do assunto foi novamente modificado, com a 1ª Turma da Câmara Superior do Carf proferindo diversos acórdãos favoráveis aos contribuintes para reconhecer a impossibilidade de cumulação das mencionadas penalidades, a exemplo do acórdão n.º 9101-005.080.
Além disso, foi rejeitada, no ano passado, a proposta de enunciado da Súmula n.º 24 pelo Pleno da Câmara Superior, que pretendia, mais uma vez, reverter o entendimento acerca da concomitância das penalidades para o seu status pró-fisco[1].
Diante disso, a matéria parecia estar se consolidando definitivamente de forma favorável aos contribuintes, ainda que por voto de qualidade, na 1ª Turma da Câmara Superior do Carf.
No entanto, com a publicação da Portaria Carf/ME 12.202/2021, a matéria passou a ser analisada também pela 3ª Turma da Câmara Superior, o que resultou na prolação de decisões desfavoráveis aos contribuintes, por maioria de votos, a exemplo dos acórdãos n.º 9303-011.690 e 9303-011.689.
É realmente louvável o objetivo da Portaria Carf/ME 12.202/2021, pois um processo administrativo fiscal mais célere e eficiente só traz benefícios à sociedade como um todo. Entretanto, essa celeridade não pode ser obtida mediante o comprometimento da segurança jurídica, pois, ainda que os precedentes da 1ª Turma da Câmara Superior não sejam dotados de efeitos vinculantes, a alteração, em caráter temporário, da competência das Seções de Julgamento do Carf não deveria resultar em decisões conflitantes dentro da última instância do próprio Conselho, pois isso certamente reverberará no Judiciário, gerando ainda mais custos à máquina pública e morosidade aos contribuintes.